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Cesar Lattes |
No plano da física mundial, a Segunda Guerra encerrara-se dois anos antes, marcada pela alegria do final de seis anos de perseguições, tortura, arrasadora destruição de vidas, de patrimônio, e pela dor dos sobreviventes de Hiroxima e Nagasaki, que o rádio e o cinema levaram ao testemunho de todo o planeta. Durante esses seis anos, físicos de ambos os lados do conflito foram, em grande parte, mobilizados para o esforço de guerra. Em 1939, ano em que as primeiras ações militares tiveram curso, dando início à Segunda Guerra, a libertação do fogo de Prometeu era pouco mais do que um sonho; O.Hahn e F. Strassman descobriam a fissão nuclear, fenômeno que deu ensejo a intensas pesquisas. Como cada transformação produzida em um átomo de Urânio, por captura de um neutron, liberta apreciável energia nos produtos da reação, e é elevado o número de átomos, mesmo em quantidades minúsculas daquele elemento, a produção auto-sustentada das reações em cadeia seria capaz de liberar energia em doses formidáveis. Em breve diferentes pesquisadores chegavam à chamada reação em cadeia, isto é, à possibilidade de sustentar e até de ampliar exponencialmente a taxa de reações, ou seja, de construir uma arma de poder explosivo jamais imaginado. Os países europeus, envolvidos diretamente no conflito, comprometiam os orçamentos nacionais com os armamentos tradicionais e não podiam se dar à extravagância de se empenhar num projeto tão caro e incerto como o da reação em cadeia super-crítica. Foi diante do empenho de Leo Szillard e Eugene Wigner junto a Einstein que uma carta foi entregue ao presidente Roosevelt, solicitando-lhe que autorizasse a iniciativa de um tal projeto pelos E.U.A., antes que os países do Eixo o fizessem. Após demoradas consultas a físicos e políticos americanos e da comunidade internacional, Roosevelt concordou e teve início o Projeto Manhattan, culminando com a produção da chamada bomba atômica. O Projeto Manhattan foi o primeiro empreendimento humano em grande escala, lidando com o desconhecido. Elementos químicos sobre os quais a experiência era escassa, muitas vezes com produtos voláteis ignorados, inclusive na toxidez e letalidade, afora aqueles tipicamente radioativos, como Urânio e Plutônio, necessários à sustentação da reação em cadeia, foram manipulados em grandes quantidades; não se sabe ao certo quantas vítimas ficaram no caminho mas é certo que não foram poucas. A incerteza quanto aos resultados prevaleceu até 24 horas antes do primeiro teste do artefato bélico, a 16 de março de 1945 no deserto de Alamogordo, dada a precariedade com que se podiam fazer predições que colocassem a experimentação em bases mais seguras (para os mais curiosos no assunto sugerimos a leitura de: Brighter than a Thousand Suns, Robert Jungk, Pelikan Books, 1965; Critical Assembly, publicado por um grupo de historiadores americanos, Cambridge University Press, 1993,além do clássico Smith Report, de 1945). A descoberta do méson-pi não teve qualquer ligação com esse projeto, mas com a continuação natural da descoberta do fenômeno dos chuveiros penetrantes da radiação cósmica, pelo grupo da USP, sob a liderança de Gleb Wataghin (Wataghin, Paulus A. Pompeia e Marcelo Damy de Souza Santos, fizeram a descoberta original, em seguida aprofundada por outros membros daquele grupo). Gleb Wataghin veio ter ao Brasil por iniciativa do governo italiano, interessado no aumento do intercâmbio com países da América Latina, em particular aqueles que se beneficiavam com a imigração italiana; estiveram no Brasil, dentro dessa perspectiva, o eminente matemático F. Severi, em 1932, e o eminente físico E. Fermi, em 1933; este solicitou a Wataghin que participasse e assim veio este notável líder científico e hábil professor a ocupar a Chefia do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, então em formação, em 1934. Nesses primeiros anos da década de 30, C.D.Anderson e S.H.Neddermeyer descobriram na radiação cósmica uma partícula com massa intermediária entre a de um elétron e a do próton, a que chamaram mesotron. Sua existência foi confirmada poucos anos depois por Street e Stevenson, que mediram sua massa; pensou-se por algum tempo ser ela a partícula responsável pelos chuveiros penetrantes encontrados pelo grupo da USP. Embora essa conclusão fosse em parte verdadeira o experimento de Conversi, Pancini e Piccione mostrou que aquelas partículas apresentavam interação nuclear muito fraca e portanto não poderiam explicar a característica mais significativa dos chuveiros penetrantes - a produção copiosa de novas partículas a partir de um evento de colisão. A descoberta do méson-pi, em 1947, não só veio esclarecer aquela dificuldade como outras, observadas na componente penetrante da radiação cósmica; entretanto adquiriu particular relevância porque sua massa, medida por Lattes, Occhialini e Powell, tinha valor, dentro das incertezas experimentais, compatível com o da partícula, proposta em 1935 pelo físico japonês Hideki Yukawa, como responsável por toda interação nuclear. A detecção desse méson, em 1948, por Eugene Gardner e Cesar Lattes, produzido artificialmente no sincrociclotron da Universidade da Califórnia, construído em 1946, veio confirmar aquelas expectativas, alimentando a presunção de retirar do perigoso empirismo todas as pesquisas que se relacionassem com a libertação da energia nuclear. A detecção do méson-pi assim produzido abriu principalmente novas perspectivas para estudos com feixes dessas e outras partículas, produzidas artificialmente, iniciando uma corrida por aceleradores mais potentes, que a guerra fria incentivou até recentemente. Embora o méson-pi, hoje, lidere em importância numerosos outros mésons e a interpretação mais em moda atribua aos quarks o papel fundamental que àquela época se lhe atribuía, é inegável o desempenho que teve na propulsão de todo o desenvolvimento científico-tecnológico da física dos últimos cinqüenta anos. |
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